quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Não te incomodes, manda-me só uma mensagem


Uma tendência que vem ganhando força nos últimos anos é a substituição de postais e telefonemas de Natal por SMS. Ia escrever “simples SMS” mas o problema é mesmo esse. Para mim e para os milhares de utilizadores diários deste serviço, as SMS de Natal não são nenhum drama. Podemos responder a todas, com mensagem padronizada ou pessoal, ser selectivos ou optar por ignorar toda a gente por igual.

Mas sejamos sinceros, a grande emoção é para os cinquentões (incluam-se alguns quarentões e sessentões no grupo). Para esta malta dos cinquenta e tal, a mensagem de Natal tem de ser retribuída, não se vá pensar que são mal-educados. Ou, pior ainda, tecnologicamente ultrapassados. Então, dá gosto ver o entusiasmo com que esta gente acolhe primeiras mensagens natalícias. Pega-se no telefone de imediato e lê-se a mensagem em voz alto ao cônjuge – a maioria das mensagens dos cinquentões destinam-se ao casal ou à família.

É então tempo de responder. Arranje-se um banco confortável, com aquecimento q.b., porque os pés podem arrefecer, mas não demasiado, porque a tarefa é árdua e ao fim de uns minutos chegam os calores. E lá vai disto: procura-se o menu certo, não sem alguns percalços, e finalmente, a grande aventura de descobrir as teclas certas para cada letrinha. Nada demais: qualquer quarto de hora basta, se a meio não se carregar no “apagar mensagem” ou se o a bateria do telemóvel não se descarregar entretanto.

Por fim, orgulhoso pelo feito tecnológico, o nosso Bill Gates cinquentão está pronto para retomar a conversa com a família – como é óbvio, enquanto se escreve uma mensagem, o resto do mundo nem paisagem é – e trincar um filhós. Até que chega nova SMS. Limpa-se o açúcar dos dedos, pega-se no telemóvel e o ciclo repete-se. Ao fim de umas cinco ou seis, podemos avaliar a personalidade do cinquentão: os persistentes sacodem o açúcar dos dedos com cada vez mais minúcia; os impacientes começam a bufar de cada vez que ouvem o apito do telemóvel.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Chocolatices


Já havia o Dove, que tanto servia para lavar as mãos como para adoçar a boca. Ontem ouvi publicidade aos chocolates Lindor. Para quando uns bombons WC Pato?

sábado, 8 de dezembro de 2007

Volta da noite, Lisboa

Nas noites de quarta-feira, os carros são muitos nos acessos da cidade. Em magote, furam o nevoeiro com pares de olhos amarelados mas desaparecem assim que entram no coração de Lisboa. Preferem as circulares e as estradas sem identidade, vias onde não se vive, só se corre. Parecem temer a história e recusar um passado que é de todos. Escondem-se, desviam-se, apressam-se. Quando um ou outro foge da rota e se atreve a infiltrar-se nas ruas logo se apressa a corrigir o erro. Estou aqui a mais, ao menos que não me vejam.
As ruas são dos almeidas, da bófia e dos taxistas. Os homens do lixo apressam-se, estardalham, quebram o pacto de silêncio. Têm cor e têm voz. Esta é a hora e este candeeiro é o meu sol. Mas até para eles há frio e o tempo é salário. Corram portanto, corram por tanto.
Os bófias não são todos iguais. Alguns acumulam-se nas carrinhas da intervenção. Grandes, fortes e desperdiçados. Bovinos observadores da cidade. Os outros solitários. Atirados para cantos, são postes que não iluminam. Fantasmas desiludidos que olham os bêbedos de garrafas na mão e sonham com uma caneca de leite quente.
Os taxistas são pessoas. Não interessam.
Nas esquinas há putas e travestis. As putas negoceiam sexo. O corpo não está à venda porque já não tem dono há muito tempo. Estão prostibrutas.
Os travestis são as maiores quengas de todas. Carcaças de maquilhagem e lantejoulas. Abrem o casaco de peles e abanam o mamaçal à solta. O espectáculo é gratuito e obrigatório, come e cala.
Pelos condes redondos há predadores. Vêm aos cinco e aos seis, saídos de Mercedes e BMW pretos. Os vidros não são fumados senão não me vias, filha. Felizes sejam os machos. Procuram as portas das showgirls, das casas de strip, dos clubes privados.
Iluminam-lhes a busca os néons das letras eufemísticas que encabeçam os lupanares. Luzes parecidas com aquelas que afastam os sem-abrigo das soleiras de tantas portas. Para os desalojados não há vida, há subvivência. Encolhem-se em cantos resguardados onde só faz frio, gelar não gelam. Para alguns nada existe para além da próxima dose, do chuto que não se sabe se ainda vai ser antes do apito final. Não gente não sexo não fome não corpo. Droga.
Nesta Lisboa não há aves. A alvorada não é ditada pelo querer dum galo nem pelo voar dum bando de pássaros estrenoitados. É o ruído ensurdecedor das fofas solas de borracha dos empregados de escritório que acorda a cidade. Aos poucos, um a um, os habitantes da noite abrem os olhos, sacodem a ressaca e saem de cena. Os cobardes estão a chegar, deixemo-los brincar às suas vidinhas ocupadas.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

A Outra Margem


Às vezes saímos da sala de cinema muito impressionados com um filme que achamos fantástico. Outras vezes, é só passados dias ou semanas que realmente nos apercebemos de como a estória nos tocou. Mais raro é receber um filme como uma facada que, depois da dor inicial, deixa uma cicatriz que vai permanecendo para lá do que julgávamos razoável.

"A Outra Margem", de Luís Filipe Rocha, é sem dúvida um dos melhores filmes que já vi. As interpretações dos actores são muito consistentes, nalguns casos brilhantes, e a fotografia transforma as margens do Tâmega, em Amarante, num idílio que apetece visitar. (Que grande cartão de visita para a cidade!)

Quanto à estória, está resumida numa sinopse disponível no sítio da película desta forma:


"Um travesti que perdeu o gosto pela vida é confrontado com a alegria de viver
de um adolescente com síndrome de Down."

O fantástico protagonista Filipe Duarte, cujo trabalho numas quantas telenovelas eu desvalorizava até agora, foi convidado a explicar sobre o que tratava o filme, em directo para a Praça da Alegria. Atrapalhado, balbuciou "Trata de muita coisa..."

Sim, "A Outra Margem" trata de quase tudo. Tolerância e preconceito, à cabeça. Mas também amor, respeito, medo, afecto, angústia, sonho.

Um filme a não perder. Por ninguém.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Olhos de boneca

Quando era pequena, o meu irmão dizia que eu tinha olhos de boneca.

Não por serem olhos de uma rara cor ou formato - os meus olhos castanhos são vulgaríssimos, do mais "made in Portugal" que possa existir - mas por fazerem um som semelhante aos olhos de uma boneca que ainda hoje guardo comigo.

Antigamente, quase todas as vezes que esfregava os olhos - por sono ou choro - os meus olhos (a pálpebra, vá) faziam um som curioso igual ao som emitido pelo abrir e fechar de olhos da tal boneca.

Durante anos não ouvi este som...até hoje. E com este som veio a boneca, os olhos de boneca, o meu irmão, a nossa infância. Tanta coisa.

Não tive música no mp3 falecido mas, por momentos, voltei a ser a menina dos olhos de boneca. E soube tão bem.

Sony II

Pois é, parece que o mp3 não gostou da reforma antecipada.

Hoje reatei a relação e levei-o comigo. Quis o conforto da escolha musical e a previsibilidade da ordem das faixas. Premi o ON e a música começou a soluçar...até calar. Mudei a pilha (prevenida como sou, levo sempre uma nova comigo) mas percebi que o problema não é da carga mas sim do corpo.

Alguém oferece um mp3 no Natal?

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Anoristeria



Finalmente percebi. Depois de anos de incompreensão, pasmo e, em certos momentos, até revolta, percebi a histeria feminina da magreza. Folheei por acaso uma revista feminina, chamada Happy Woman ou qualquer coisa nesta linha. Para um homem, é difícil encontrar interesse numa publicação deste tipo. Há um ou outro artigo menos específico, mas as longas dissertações sobre moda e cosméticos ultrapassam a masculina pachorra. Claro que nos podemos sempre entreter a decifrar as preocupações e preferências do sexo oposto. (As dicas sexuais e sentimentais são as mais curiosas.) Tirando isto, o que faz um homem com uma revista feminina? Entretém-se a olhar para as omnipresentes fotografias de mulheres mais ou menos vestidas.
E aqui é que está o meu ponto. Que tipo de mulher aparece neste tipo de publicação? Uma mulher magérrima, sem carne, com a abundante maquilhagem disfarçando o ar doente. Uma mulher-cabide, assexuada, expositor de metro e oitenta. Enfim, uma carga de ossos assustadora.
O problema está nos efeitos a longo prazo. Se a um “primeiro” contacto senti desilusão, para não dizer aversão, face a esta mulher-esqueleto, admito que o contacto permanente com esta imagem possa ir fazendo dela a norma e o desejável. Na cabeça da leitora que vê esta imagem a acompanhar o artigo sobre a mulher independente, feliz e moderna, começa a ganhar força a associação entre as duas coisas. E de nada adianta negarmos os efeitos destas influências, uma vez que os estudos sociológicos, psicológicos e outros “lógicos” os evidenciam. O aumento da anorexia, da bulimia e de variadas ansiedades e frustrações em relação ao corpo também o mostram. Há uma força social superior a cada uma das mulheres à qual é muito difícil fugir.
Por isso, mulheres, deixo-vos um apelo. Se querem viver angustiadas com o corpo, não olhem para as vossas revistas. Sigam as nossas. A mulher não se quer gorda mas quer-se abundante (não escolhi a palavra ao acaso). Viva a mulher carnal, onde se possa agarrar sem medo de partir. A Monica Bellucci faz bem à vista, a Kate Moss ainda nos vaza um olho com um braço ou uma perna.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Eu tenho dois amores...




David Fonseca numa versão mais colorida.

Tiago Bettencourt saído da casca.

Confesso. Gosto muito dos dois.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Estávamos quase a entrar em Dezembro

A ti, M., porque também tenho saudades tuas


Estávamos quase a entrar em Dezembro, mas a noite até nem estava fria. Já escurecera há algum tempo quando nos fomos reunindo à porta do Cenoura do Rio e tudo era diferente do costume. Para trás ficava o convívio nos intervalos das aulas. Agora éramos nós por nós. Estávamos soltos, sem pastas nem horas. Livres, por isso desprotegidos.
Entrámos calmamente no restaurante e sentámo-nos. Seguimos a rigorosa etiqueta das proximidades. Junto a mim só podias estar tu. Não me recordo se estavas ao meu lado ou à minha frente. Não importa, tudo é a minha beira.
Veio a comida. Um quadrado ordeiro de bacalhau com natas. Tomate, alface e cenoura numa salada bem comportada. Tudo limpo, tudo sereno.
Tão leves quanto a comida corriam as conversas. As banalidades eram mais do que isso. Eram partilha e descoberta. Dos assuntos esqueci-me mas lembro-me do bem-estar naquela noite. O entendimento crescia de cada vez que alguém levava comida à boca.
Então veio a sangria. Não lhe tocaste porque ias conduzir. Guardo ainda a pequena mágoa privada de nunca termos sincronizado bebedeiras. Quem sabe, um dia. Naquele dia tinhas de levar-nos para casa. Por isso, enchi só o meu copo. Uma, duas, demasiadas vezes e perdi a conta.
Quando as caloiras quiseram fazer uma brincadeira, engelhei o nariz, porque me parecia que a tentativa ia ser frustrada, a nossa faculdade não era dada a essas coisas e muito menos o nosso curso, mas vocês lá me convenceram e participei na coisa. A coisa resultou mesmo e nessa altura, nessa noite em que já éramos finalistas fomos caloiros e padrinhos e doutores e eternamente estudantes por uma noite, e eu pensava no que poderia ter sido o nosso curso e só este pensamento ensombrava a alegria. Não sei se foi o álcool ou o entusiasmo do momento mas quando o restaurante se transformou, surpreendente, em pista de dança, já eu estava mais do que preparado para a música, e ela não tardou e era rápida e ritmada e alegre e sensual e tão violenta que o chão por baixo dos nossos pés parecia poder cair a qualquer altura. Dançámos, perdemos vergonhas e todos pudemos ver como se transfigurava a Tété na pista, e quando tocava um êxito o teu desdém contrastava com a alegria com que a Tété trocava o recato habitual por um rebolanço quase sensual, mas davas o braço a torcer e entravas na onda, era euforia, era uma união que nunca tínhamos vivido e ao mesmo tempo a individualidade completa, radical, para que vos quero, basta-me esta música.
Então vieram as bebidas brancas e apagaram o passado e o futuro. Talvez um Sminorff Ice para começar e mais qualquer coisa já não sei, mas olha quem ele é como raio veio parar aqui que coincidência encontrarmo-nos aqui quando eu nunca cá tinha vindo sequer, a música está muito alto não dá para falarmos não faz mal, está a dar-me um copo e eu pasmado obrigado a bebida é sempre bem-vinda, mas tu não me deixas beber, pode ter qualquer coisa aí dentro gritas, eu rio-me da ideia ridícula, ele é meu amigo, e bebo, e danço e danço e danço os outros já não vêem o meu corpo e ele só me serve para dançar e não parar não controlo os meus pés o chão foge-me e só espero conseguir fugir do chão, e Tété olha este som é um espectáculo, e a música bate-me atinge-me entranha-se a música sou eu, e aqueles dois estão-se a comer ali no canto a gaja até é lá da faculdade a gaja roça nele promete-lhe um strip e assedia-o até não poder mais, nunca te imaginei tão maluca, quem te mandou prometer sexo ao som das Pussycat Dolls doravante serás uma delas nem que seja na alcunha, e danço danço e o último Smirnoff e as escadas para o wc estão cada vez mais íngremes e bailarinas, das nossas colegas algumas já desmobilizam mas nós ficamos mais uma hora ou duas números para quê o que interessa é a música, esta é a noite este é o momento esta é a memória tirem-se fotografias recorde-se a música e que tudo perdure para além da noite a noite em que saímos pela primeira vez a noite em que conheci Small Town a noite que não podemos esquecer que devíamos repetir que deveria ter existido esta noite em que nós somos a música.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Narcisismos


Alguém me explica porque é que 90% das pessoas que têm cães de estimação, optam por versões caninas de si próprias?

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A Bica dos vícios



Há quem não saiba começar o dia sem a sua bica. Há quem goste de ir à Bica do Sapato para impressionar a companhia e sue em bica com a conta. E há a noite de todos nós na Bica.

Amarela e corrosiva. Como o elevador. Como a urina impregnada na calçada, nas escadas. Quente. A multidão de cabelos, casacos e copos aquece a rampa, fazendo ferver os carris que clamam por uso numa ebulição silenciosa mas urgente.

A vertigem da descida chama-nos. Passeiam-se as bijutarias, os vinis e os copos numa dança lenta e sensual. Um olhar electrizante na passagem. Perigoso. Anónimo. Viciante.

Sentamo-nos. Dizemos disparates. Rimos. Vivemos. O rio, ao fundo, refresca o ar quente que circula entre voyeurs, cantores, artistas. O ar que circula entre nós.

Que esse ar não nos falte. Que o amarelo seja sempre vivo, não caindo num branco sujo e desbotado. Que esses cabelos, casacos e copos se misturem com os nossos cabelos, casacos e copos até estes ficarem brancos, justos e foscos. Que sejamos os carris da nossa locomotiva, composta de tão diferentes carruagens. Que nunca nos falte força nas pernas para subir e descer. Que o nosso olhar seja sempre uma descoberta.

Obrigada por já serem o meu vício.

domingo, 16 de setembro de 2007

Um brinde ao amor

Há textos assim. Que lemos de uma só vez, embalados pela doçura das palavras e pela nossa imaginação. Que nos fazem chegar ao fim e acreditar. Na menina Cila, na certeza de que aceitou a proposta, e num amor que perdura. Um convite para uma vida a dois. Simples e sincero. Que nos confronta com a partilha. Daquilo que somos, sentimos e desejamos. Que não esconde projectos e se expõe sem medos. Que sorri ao futuro e torna fácil o que aprendemos a complicar. Que vale a pena ler, reler e, quem sabe, copiar. Aqui fica o link: Menina Cilinha, de Carlos Romero http://enrolanareia.blogspot.com/2007/03/menina-cilinha-venho-por-este-meio_17.html

Óbidos

Lembro-me da primeira vez que fui a Óbidos como se fosse hoje. Estava no 10º ano e foi a última visita de estudo desse ano lectivo. Tinha 15 anos, os meus pais acabavam de se divorciar e eu própria acabava de me divorciar da antiga vida familiar que tinha, passando a viver num ambiente muito mais saudável. Para além disso, estava apaixonada.

Óbidos tem a magia de um conto de fadas. Ainda hoje, volvidos sete anos, volvido o divórcio de pais que resultou em duas novas famílias, volvido o fim da antiga paixão, Óbidos continua a ser um lugar especial que insisto em visitar. Visito não para me lembrar dos meus 15 anos, das palavras que deixámos com as pedras. Visito porque é um dos meus locais de eleição. Acho que já o era mesmo antes de conhecer…

Recordo-me do choque do branco das casas nos meus olhos escuros, do odor intenso das rosas e daquelas flores lilases que vimos quando fugimos do resto da turma. Lembro-me da casa guardada pelo leão de pedra, dos puxadores em forma de animais, da ginjinha em cada porta, das tuas conversas nervosas e escorregadias como a calçada depois da chuva que nos limpou a alma naquela corrida desenfreada para o autocarro.

Nessa tarde senti-me uma verdadeira princesa dos contos de fadas. Não tanto pelas coisas parvas que dizias mas porque acreditava piamente que já tinha vivido ali noutra vida, que aquele era o meu mundo. Tu rias, claro. Mas, ainda hoje, sinto a mesma sensação de dejá-vu quando passo a arcada principal. Parece que sempre conheci cada pedra de calçada, cada esconderijo, cada entrada para a muralha do castelo.

“Daqui a uns anos voltamos. Tu ficas na varanda enquanto eu declamo aquela cantiga que canta os desamores de quem não consegue alcançar a sua dama inacessível”. Sabes bem que eu nunca gostei de alturas…

sábado, 15 de setembro de 2007

Travessa dos Amores

Queria escrever algo original mas parece que a inspiração hoje tirou folga.

Remexendo em papéis antigos, encontrei esta passagem que em tempos guardei para uma partilha que ficou esquecida na gaveta.

Alguém viu?

«Numa aldeia de pescadores, chamada Burgau, virada a Sul no Barlavento Algarvio, existe uma Travessa, mas não é uma Travessa qualquer, é uma travessa onde apenas passa uma pessoa de cada vez. É de tal maneira estreita que se a pessoa for muito forte fisicamente terá dificuldade em passar. A história conta que nesta aldeia os namorados passavam a travessa da única forma possível, ao mesmo tempo mas de lado e frente a frente até se tocarem com os narizes, até se tocarem com os lábios. Esta travessa existe de facto e a tradição continua viva, viva como um amor frágil, forte como o tempo a passar. A Travessa dos Amores é única de tão estreita que é. As pessoas continuam a passar naquela rua estreita e curta, às vezes dois a dois, com o amor e um beijo pelo meio, e o tempo necessário para amar.»

Nuno Leal Ângelo, in CAIS #111

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O retrato

Estávamos de pé, eu e a assessora, meando uma conversa preguiçosa, quando o Presidente chegou. De imediato procurei nele a pose magistral, honrada e digna do grande retrato nos Paços do Concelho.
Não a encontrei. Mão na cintura escorregadia da assessora, o que faz aqui este bocado de tecido, todo eu sou à-vontade. A voz partia para agudos, talvez na esperança de se sintonizar com ela, tão feminina e jovem.
Chega mais gente e são palmadinhas nas costas, risos que soam a conluios e clientelismos. Ele é ex-Presidente mas recusa o prefixo: "Sou presidente em título". Mostra saudade dos seus tempos, das pessoas que já não são as suas. Lança palpites, atira provocações, ri-se de uns e com outros. Mais do que real, é banal. Um homem que faz rugas quando se ri, como os outros. Que chama "querida" a todas, sejam rabos de saia, poucos, ou rabos de calça, muitos. Para os homens tem trivialidades, simpatias umas vezes sentidas e outras vezes palermas. Faz tudo isto sem nunca tirar a mão da cintura deslizante da assessora. Corrijo: Faz tudo isto e liberta-a, os meus olhos é que ficam a guardá-la.
O retrato na parede branca dos Paços do Concelho não é tolo, nem simpático, nem diz que é presidente em título. É o Presidente. É pesado, sério, altivo. Falecido sem ser morto.
Não é, não pode ser, a mesma pessoa que ainda tem a mão na cintura perigosa da assessora.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Táxi


Há poucos dias, tive uma das viagens de táxi mais hilariantes da minha vida. Não pelo facto de ter tomado o táxi quase no local da suposta chegada (que tinha uma barreira arquitectónica a impedir), não por ter sido pago por uma açoriana fora de série que perguntava por telemóvel, mesmo estando no táxi da frente, se o nosso taxista era “fixe”. Não pelo facto de ter partilhado a viagem com duas amigas fantásticas. Também não foi pelo facto de, minutos antes, ter discutido a existência do chocolate preferido da minha infância, de nome Táxi, com a açoriana. Não. Isso apenas faria da viagem mais uma de tantas outras viagens normais entre o grupo de pessoas em questão.

O senhor taxista que nos conduziu até à Praça Luís de Camões, de 50 e poucos anos, 30 e tantos de profissão, do “clube que vocês não gostam”, sotaque nortenho ainda bem entranhado, revelou-se um contador de senhoras histórias daquelas com muitas “senhoras” à mistura e risadas a acompanhar. As histórias, essas, ficaram dentro do Mercedes beije de trazer e levar pelo alcatrão lisboeta.

Este pequeno apontamento serve de pretexto para lembrar que, este mês, Lisboa é a capital do táxi, esse grande invento do homem, essa “bóia de salvação” movida a combustível, preta ou beije, tantas vezes solicitada por nós, náufragos da noite, do álcool ou simplesmente dos atrasos matinais.

Durante este mês, acontecem muitas actividades ligadas ao imaginário do táxi: ciclo de cinema do táxi, exposições, competição de curtas-metragens, contadores de histórias (o senhor taxista deve participar), concurso de talentos e muitas outras acções.

Tudo isto pode ser descoberto em http://www.festivaltaxi2007.com/.

Boa viagem.

p.s. ele existiu…mas aqui a embalagem era azul. Que saudades...


Hapiness...is not included

Permitam-me discordar do título deste post. Que apenas foi escolhido por ser o nome do álbum em questão. Hapiness...is not included é o mais recente disco de Veronica Mortensen, depois de Pieces in a Puzzle (vou espreitá-lo um destes dias).
Deparei-me com a cantora e compositora dinamarquesa numa visita recente à Fnac. Procurava algo de novo nos ritmos quentes do jazz e decici trazê-la para casa. Não me arrependi. Há uma musicalidade especial em Veronica. Uma voz quente, ao mesmo tempo forte e doce, que nos envolve, parecendo contrariar as origens nórdicas.
Uma viagem aos grandes nomes do jazz e às influências afro-americanas de Aretha Franklin, Billie Holiday ou Erykah Badu. Sim, é mais isso. Mas há mais: este disco lembra-me alguma coisa que ainda não sei dizer. Talvez por isso o tenha trazido sem hesitar.
A maior parte dos temas são escritos pela cantora e pelo marido, Niels HP, mas também há interpretações de Paul Simon, Tom Waits, James Taylor e The Beatles. Destas, gosto especialmente de In my Life e Broken Bycicles.
A voz sempre acompanhada do piano, o baixo e a bateria, misturando jazz, pop e rock. Beyond the rainbow é a música que inaugura este disco. Lembra-me a curiosidade de uma criança que, depois da chuva, espera o sol, e trepa o céu em busca de um novo arco-íris. "Take a look beyond the rainbow/You may find another world". Será?

Avó Irene

E ali estavas tu. Vó Irene. Como sempre te chamámos. Numa cama de hospital, com uma dezena de amigos sentados à tua volta. O sorriso era o teu. Bem disposto, como quem corre para nos abraçar (nós à porta, o pai a dizer: a avó vai estar com o cabelo rapado, façam de conta que é normal). Entrámos, engolindo o choque como quem engole um pacote de sugus (aqueles que quase todas as manhãs nos trazias, lembras-te? Muitas vezes às escondidas, para que o pai não visse que nos enchias de doces).

Nós com medo de entrar. E tu a afastar o pessimismo com uma dose de coragem que nunca soube ter. Só a nossa presença te parece lembrar a fragilidade de estar doente. Saltamos para a cama, procurando agarrar um pouco da tua esperança (as lágrimas na tua face denunciam o medo que afinal é). Mas apressas-te a fazer-nos sair. Os hospitais não são lugar para crianças, dizes (o meu olhar pára na cama em frente à tua, onde um corpo jaz votado ao abandono. A vida suspensa por um emaranhado de tubos e máquinas, e ninguém para ver). Tens razão. Mas também nunca foram lugar para ti.

Uns dias depois regressaste a casa (à tua casa. Nunca quiseste vir para aqui, dar trabalho, dizias. Continuámos à distância de um prédio). E fui perdendo a conta ao número de vezes que voltaste ao hospital (o telefone a tocar e os pais a descer as escadas a quatro e quatro. Eu no quarto a fingir não perceber o que se passava. E as notícias que tardavam). Não nos chegámos a despedir. E ainda hoje, quase dez anos depois, me dói esse momento que não foi. Como se nunca tivesses parado de morrer.

Do alto dos meus 14 anos acreditava que nada podia derrubar-te (gostam do meu novo visual, perguntavas, ostentando a cabeça rapada como se nada fosse. E eu acreditava). Não sabia avó. Não sabia que não ia voltar a acordar com os teus passos a subir a escada. A respiração ofegante de uns 71 anos que todos os dias venciam um quarto andar sem elevador (no Verão, os lanches na velhinha Leitaria da esquina lembram-me imperiais com tremoços para ti, leite e bolos para nós. A viagem à Madeira, as partidas e anedotas que não te cansavas de contar, os dias passados na tua casa, outrora uma pensão, com amigos de há muito).

E entravas de mansinho para nos acordar. O som dos sacos de compras a acompanhar os teus passos. A chave a entrar na fechadura (é hora de comer meninos. Lá vão vocês juntar o pequeno-almoço com o almoço, pareço ouvir ainda). E acordavas-nos com beijos. Primeiro eu, o quarto mais próximo da porta de entrada. Depois o Rui, sempre mais preguiçoso. As portadas das janelas semiabertas. Na altura ainda não tínhamos aderido aos estores. Nunca chegaste a vê-los (ficaram tantas coisas por veres. Tantas saudades do que foi, mais o que ainda vai ser. De o partilhar contigo, avó).

E eu volto àquele quarto de hospital (até o hospital dos Capuchos, mais ano menos ano, vai fechar, sabias?). As lembranças vão-se esbatendo, tal como as visitas, interrompidas pelo agravar da tua doença (segundo tumor, segunda cirurgia. Já sem as indisposições da quimioterapia e da radioterapia. Sem as sestas mais prolongadas depois do almoço). Desta vez perdemos. Fica a certeza de sermos crianças. De volta ao quarto e aos sugus (de laranja, se houver).

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Mais uns pingos no molhado

Provavelmente, não podia escolher pretexto menos original. Sobre o desaparecimento de Madeleine McCann, tudo o que é irrelevante já foi escrito e até já se disse uma ou outra coisa com interesse. Porém, este fenómeno, de origem demasiado comum mas de contornos inesperados, pôs a nu mentalidades que julgávamos mais cobertas. Sejamos então voyeuristas.
Quase desde o início desta estória, uma das coisas que mais me chamaram a atenção foi a querela patriótica à volta do caso. Antes de mais, lembremos dois pressupostos, talvez ingénuos mas certamente desejáveis. Primeiro, quer a vida humana, quer a justiça são mais importantes que qualquer provincianismo ou patriotismo.
Segundo, o jornalismo busca a objectividade e o jornalista não alinha com nenhuma das partes envolvidas. Diz o Livro de Estilo do Público:
"O jornalista do Público não está obrigado à neutralidade quando estão em causa valores fundamentais da vida em sociedade, designadamente os relativos aos direitos humanos, desde logo os contidos na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O jornalista do Público também não é neutral em conflitos entre liberdade e escravidão, compaixão e crueldade, tolerância e intolerância, democracia e ditadura, livre informação e censura, paz e guerra. Não é ainda neutral na defesa do direito humanitário internacional".
Estas são, e muito bem, as excepções à neutralidade jornalística que o Público se admite. Suponho que a generalidade dos outros media, caso tivessem um livro de estilo, consagraria restrições semelhantes.
Parece-me claro, todavia, que o Público e a Imprensa em geral, esquecem outra excepção importante e demasiado evidente. Em todo o noticiário desportivo, é claríssimo o apoio às equipas e selecções portuguesas. Um apoio discutível, certamente, mas que numa primeira abordagem não comporta grandes perigos.
O mesmo não acontece com outros tipos de patriotismo. Transformar o caso McCann num jogo em que o Reino Unido defronta Portugal é uma deformação perversa. E não é preciso fazer uma análise noticiosa exaustiva, ao melhor estilo de Cristina Ponte ou Estrela Serrano, para ver que é isso que tem acontecido sucessivamente, de ambos os lados.
Numa primeira fase, os britânicos puseram em causa a segurança do Ocean Club, enquanto os portugueses preferiam salientar que os pais da criança a tinham deixado sozinha durante muito, demasiado tempo. Depois, choveram as críticas vindas do Reino Unido para a forma como a polícia portuguesa estava a (des)actuar. Chegou-se ao ponto de dizer que os investigadores ingleses que se deslocaram ao Algarve teriam dado instruções aos inspectores portugueses.
Por cá, reagia-se com irritação às bocas deste irmão mais velho que ninguém encomendou e optou-se por atirar contra os McCann. Que eram suspeitos, que estavam diferentes, que tinham usado a Imprensa. E logo passou a indignação para o lado do nosso mais antigo aliado. Não podia ser, Kate e Gerald - se o homem se chama Gerald, porque lhe chamam sempre Gerry? - estavam inocentes e queriam tramá-los.
Esta triste novela chauvinista nada teria de dramático se falássemos apenas do cidadão comum, livre de dizer os disparates que quiser. Preocupante é que esta guerra se tenha feito na Imprensa.
Apetece-me deixar a minha própria deixa patridiota: que os media britânicos sejam maus, é lá com eles, mas dos portugueses quero o melhor que conseguirem.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Sony

Ultimamente tenho comparado a forma como saboreio a vida ao meu Sony, o meu velho leitor portátil de rádio, do tamanho de uma pilha, oferecido pelo meu irmão no tempo em que esses leitores eram o último grito das TI’s, ou seja, há muito tempo, entenda-se.

Claro que não prescindo do meu mp3 com capacidade para 1 giga. E é claro que gosto de programar com calma, no fim-de-semana, as músicas que vou ouvir nas viagens intermináveis de comboio rumo a Lisboa. Confesso que gosto de conhecer a ordem das músicas, sendo que isso me dá uma sensação de controlo e segurança que está mesmo na palma das minhas mãos, literalmente.

Mas tenho para mim que aquilo de que realmente gosto é da aleatoriedade do meu leitor de rádio. Do que eu gosto mesmo é pôr os phones, ligar o Sony, rezando para que ainda funcione, sintonizar uma qualquer estação (que eu nunca fui boa a decorar os postos) e ser surpreendida por aquela música que já não ouvia há tanto tempo…ou por aquela que nunca ouvi e que, ao ouvir, gosto tanto que logo corro todos os postos na esperança de ouvir de novo e, desta vez, descobrir quem canta.

A verdade é que sempre adorei a rádio: não a parte da animação dos locutores, todos com aquela voz radiofonicamente perfeita e irritante de tão perfeita, mas sim da aleatoriedade intrínseca ao mecanismo da rádio, à capacidade que tem de fugir ao nosso controlo oferecendo músicas entrelaçadas por uma ordem nada ordenada (a menos que seja uma daquelas estações com playlists já muito batidas que não conhecem renovação…mas essas evitam-se com um simples rodar de botão) e de nos fazer sonhar acordados ao som de novas e velhas vozes, ao som do desconhecido.

Gosto, sobretudo, de não ter no meu Sony um visor que indique a duração da música, o nome do álbum, do artista, da faixa, o modo seleccionado (aleatório, contínuo…), o tipo de som (bass, stereo…) e por aí fora.

A vida sabe tão bem assim desta forma…ao sabor das ondas hertzianas, ao sabor das interferências causadas pelos telemóveis próximos que quase agoniam os nossos ouvidos mas que nem chegam a fazê-lo, passando rapidamente a impressão causada e destapando outra música que se insinua ao nosso ouvido num engate descarado.

Nos últimos tempos tenho sido seduzida pelo Sony. E estou a gostar. Guardei o mp3 numa gaveta, dando-lhe assim umas merecidas férias….por tempo indefinido. Quem sabe se não lhe dei uma reforma antecipada?

É tão bom não saber o que vem a seguir…

sábado, 1 de setembro de 2007

Genial



«Campanha feita na África do Sul para a empresa de táxis Toot-N-Scoot para promover os seus serviços e para criar uma tomada de consciência em relação a beber e conduzir. Onde diversas pessoas ‘feias como o diabo’ estavam em bares e discotecas com T-shirts vestidas com o copy: “Quando eu começar a parecer yummy é hora de ligar Toot-N-Scoot”.»
Estou viciada neste blog da Torke Stunt, agência non-stop de marketing de guerrilha. Para além de disponibilizarem imagens e conceitos das suas próprias acções, colocam também, e para meu deleite, vários exemplos de acções realizadas um pouco por todo o mundo.
Recomendo.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Pensamento depois de reouvir "O Irmão do Meio"

A música do Sérgio Godinho é gémea dos romances do Saramago.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Praça Dom Miguel

Na Praça Dom Miguel, o subúrbio dos grandes prédios anónimos esquece-se que é. A calma é tanta que até o sol se envergonha e pede licença para espalhar uns raios tímidos por ali. Só a meia dúzia de comerciantes com a sua meia dúzia de clientes se sente em casa.
À entrada do largo está a velha loja de pronto-a-vestir onde a minha mãe clientava quando eu era pequeno. Havia a despachada Senhora Hamster: gorducha, de papo inchado (era comida armazenada, pela certa), os dentes da frente por cima do lábio inferior.
O marido da Senhora Hamster, que também costuma estar na loja, não é o Carlos Ribeiro. Sei-o agora. Da data da revelação não me lembro, mas tenho a certeza de que foi acompanhada por tremenda desilusão. Aos cinco ou seis anos eles eram a mesma pessoa, garanto. O mesmo ar apalermado e bonacheirão. E o cabelo, impressionante e inesquecivelmente encaracolado.
Pertinho da loja da Senhora Hamster e do Senhor Carlos Ribeiro fica uma padaria que não existe. Parece que vende pão, quiçá bolos. Talvez até tenha dono, funcionários e clientes, mas nada disto existe, só uma vitrina grande com um símbolo traçado a verde e amarelo.
Ao lado está a loja mágica. Venda de ferragens deve ser a melhor definição. Para mim era o sítio onde se ia quando o avô estava em minha casa e lhe dávamos biscates para o entreter. Sentado num banco, óculos pouco habituados a equilibrarem-se na cana do nariz, desencaixava e reencaixava a porta do armário da cozinha que já não fechava bem. Até à hora do diagnóstico:
- É preciso uma dobradiça nova.
E eu ia com ele, imitando o seu passo lento de quem já não precisa de correr, a caminho da loja das ferragens.
À funcionária, dissesse-se uma palavra e logo ela apresentava a correcta solução. Solícita e simpática, sumia-se por segundos e voltava com a peça necessária.
Na Praça Dom Miguel há ainda o velho ginásio. A porta é tão pequena e os machos do halterofilismo tão massivamente maciços que sempre que entra um cliente há um eclipse.
No centro da praça há um pequeno poço, talvez chafariz, quem sabe laguinho. Avós têm de se levantar dos bancos de jardim para evitar que os netos chafurdem na água pouco limpa.
A torre do relógio, impecavelmente certo duas vezes por dia, só é grandiosa vista de fora. No largo, é apenas um bloco de cimento furado por uma escada vertical de ferro, usada por nenhum técnico. Só a imaginação das crianças percorre aqueles degraus. O que importa é que haja trilho para o céu; meninos não se preocupam se o caminho é um pé de feijão mágico ou umas velhas escadas ferrugentas.