sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Coffee Break

Hoje de manhã, a leitura que acompanhou o meu café foi deliciosa...

Não resisti a partilhar a opinião de Ferreira Fernandes no DN.

Para mim é sem açúcar, por favor.

«O meu homem do café é um tolo: julga servir-me café. Quando o que ele faz, todos os dias, é dar-me consulta. Por 50 cêntimos ele previne-me do mal de Parkinson, cura-me a depressão e afasta- -me os diabetes. Diz, simplório: "Aqui está a bica." E dá-me vitamina B, lípidos e aminoácidos. E, óptimo nestes tempos chuvosos, antioxidantes. Não satisfeito na generosidade, oferece- -me um pó cristalino, um dissacarídeo. Abusador, exijo sempre outro: "Docinho, docinho, porque amarga basta a vida." Esta minha frase é reveladora: eu entro no café do sr. Amílcar para me tratar. E o homem trata-me. Entro obtuso, saio eufórico (a receita põe a trabalhar as dopaminas e acorda-me). Já o dr. Pratas é uma fraude, soube agora. Receitava-me Prozac, que é só um placebo, um pacotinho de açúcar que tem vergonha da verdade. Um placebo pode enganar todo o mundo, mas não sempre. Já o sr. Amílcar, eu posso enganá-lo sempre, pagando-lhe como dono de ca-fé, quando ele é um eficaz psiquiatra.»

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Vem aí chuva

O elevador, todos os dias. Fosse a senhora gorducha do quarto andar ou o velhote do terceiro, a história era sempre a mesma. Ainda a porta não se fechara nas suas costas e começavam a debitar palavras incompreensíveis. O pior era o final: um olhar inquisitivo e a espera silenciosa por uma resposta.
“Ne rasun”, balbuciava a jovem com um encolher de ombros. E recebia o segundo olhar: desilusão, pena, um pouco de irritação, muita incompreensão. Era inevitável; apesar de Beatriz morar no prédio há seis meses, os eslovenos não conseguiam perceber que a jovem não falava a sua língua.
Nos primeiros tempos, Beatriz roía-se com curiosidade. Já depois de chegar a casa, remagicava sobre o que pretenderia dizer o vizinho. Aos poucos, porém, estes diferendos babélicos passaram a só lhe trazer saudade. Quem lhe dera discutir se os dias estão a ficar mais pequenos ou se dão frio para o fim-de-semana. Beatriz sentia a falta do alegre conforto do banal e cada vez lhe custava mais a partilha autista do elevador. O incómodo destas conversas foi sendo cada vez mais incómodo e as conversas cada vez menos conversas.
Um dia foi diferente. Beatriz e o magricela do terceiro esperavam o elevador. Os eslovenos não são mal-educados de todo; ele abriu a porta com uma mão e fez sinal com a outra para que a moça entrasse. E no mesmo segundo, os dois arregalaram os olhos.
Um enorme frigorífico, branco e um bocado ferrugento, ocupava grande parte do elevador. Esquecido não podia estar nunca houve notícia de electrodomésticos fugitivos. Beatriz e o vizinho não disseram nada. Passado o primeiro mudo pasmo, desataram a rir até cada um sair no seu andar.
O frigorífico foi uma bênção para as viagens elevatórias de Beatriz. Já não há dúvida possível, qualquer conversa que se passe no ascensor tem como assunto o grande órfão branco. Os vizinhos palram em esloveno, com muitos acenos de cabeça à mistura. Beatriz responde o que lhe apetece, em inglês ou português. Todos são felizes e já todos a entendem. Mesmo quando diz que deve vir aí chuva.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Tatuagem II

“Mas porque não tentas viver isso que sentes?!”

“Porque tenho medo”.

“Medo do quê?”

“Sei lá! Medo!”

Na idade em que tatuava os livros dos meus pais, pensava que o amor era uma coisa fácil de entender e ainda mais fácil de ser vivida. Acreditava que a fórmula era simples: uma pessoa gostava da outra, essa outra correspondia o sentimento e viviam felizes. Assim, sem tirar nem pôr. As pessoas demonstravam os sentimentos, faziam coisas juntas, diziam palavras bonitas, sorriam como parvas. Isso era o amor. Com a mesma simplicidade, cedo percebi que os meus pais não deviam sentir isso…porque não faziam nada disto, aliás, mal se falavam. E assim, apreendi que quem amava dizia e mostrava que amava. Sem reservas. Quem não amava, não se encontrava. Não se falava. Não estava.

Mas o tempo obrigou-me a ver uma realidade bem mais complexa. Embora nunca tenha compreendido muito bem, a verdade é que as pessoas podem amar e ser amadas, sem se falarem; podem amar e ser amadas sem fazerem coisas juntas; podem amar e ser amadas sem estarem; podem amar e ser amadas sem arriscarem, sem viverem.

E assim, mesmo sabendo disto, hoje não pude deixar de ficar “chocada” ao ter este diálogo com uma amiga que ama, é amada, mas tem pânico de viver o amor com medo que tudo corra mal. A mesma que “tenta” com tantos outros histórias que se desfazem mesmo antes de começarem. E perante o susto do amor recua com medo que desta vez a tatuagem seja definitiva.

Tatuagem I

Hoje acordei com fome de escrever. Não é que não sacie a fome da escrita todos os dias. Afinal, o que seria de mim se não fossem as letras com que teço documentos, comunicados, emails e tantos outros emaranhados de vogais e consoantes. Mas esta fome é como aquela que às vezes aparece depois de trancado o estômago com uma boa dose de cafeína…é uma fome de afirmação, de vício escrito, uma fome de escrita sem abreviaturas, sem ASAPs e FYIs (detesto estas siglas!). Sem pressas.

Quando pequena, era o terror da bibliotecária cá de casa: a minha mãe ficava em fanicos quando percebia o motivo da minha satisfação pré-primária. Tinha o vício de escrever o meu nome e tudo quanto me lembrasse nas páginas dos livros que ainda não entendia mas dos quais queria fazer parte, tatuando-os para todo o sempre.

E ainda hoje olho para esses livros com orgulho. Lá está a minha marca no Eça, no Castelo Branco, no autor de nome russo muito estranho que escreveu um livro de teor quase erótico que o meu pai camuflava no fundo da estante, no Garret que o meu irmão depositou na prateleira de baixo – que, pelo brio das folhas, não foi muito utilizado nas aulas de Português B que ele tanto odiava –
no Mestre Cozinheiro, a bíblia de balcão de cozinha da senhora Gi.

Tinha no lápis a minha arma letal. Canhota. Sim. “Ah, tu a escrever és tão deficiente”, gozava o Bruno da primária. “E então, a minha letra é bem mais bonita que a tua!”, dizia eu, orgulhosa, depois da Professora Olga mostrar à turma as páginas do meu caderno já repletas de letras redondas e atinadas.

No entanto, tenho com a escrita uma relação muito estranha e às vezes sou vencida pela preguiça, pela passividade…e não escrevo. Sei que não podia viver da escrita, não tenho competências nem inspiração suficiente para ser fazedora de histórias. Mas quando sinto fome de escrita, sou impelida a ir ao seu encontro, quase que mecanicamente guiada pelas minhas mãos. E então sou feliz. Porque me deixo ir, porque não sei como vai acabar o texto, porque venci a preguiça e produzi mais um pequeno retalho de linhas feito. E deixo a minha marca. Como uma tatuagem.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Cinefilia


Existem, por alto, três motivos para eu gostar de ver um filme. Em primeiro lugar, ser um bom filme de autor, com originalidade, daqueles que ficamos a digerir durante horas, dias ou anos. Ou em que pelo menos nos surpreendemos, pensámos em algo novo, ganhámos alguma coisa por ver o filme. Por exemplo, os meus dois filmes portugueses favoritos: “Alice” e “Outra Margem”.
Depois, há filmes que partilham temas e estéticas que, vá-se lá saber porquê, me atraem muito. Argumentos inspirados em prisões, favelas, gangues geram obras que, sem precisarem de ser primas, me caem no goto. Exemplos: “Carandiru” ou “Os Condenados de Shawshank” (que só podem ter inspirado a excelente série “Prison Break”).
Finalmente, temos os filmes que servem para aprender alguma coisa sobre um tema. Bem sei que Hollywood é a pior inimiga dos historiadores, mas saber qualquer coisa sobre Roma, mesmo que afinal o Nero não fosse louco e a Cleópatra fosse feia como a noite escura dos trovões, sempre é melhor do que pensar que é apenas uma estação de metro. O último filme que vi deste género foi “Gandhi”.
Raro mesmo é encontrar um filme que reúna as três condições. É o caso de “Cidade de Deus”. O assunto é o mais pertinente possível num Brasil onde as desigualdades sociais são gritantes e onde nascer numa favela é quase uma condenação à subvivência. A violência é brutal e repugnante, do princípio ao fim. A cena em que uma criança que ainda nem fala como deve ser é obrigada a escolher se quer levar um tiro no pé ou na mão perante o gozo dos mais velhos é arrepiante.
Ao mesmo tempo, a montagem pouco comum, com avanços e recuos quase à laia de capítulos de banda desenhada, leva o filme, que é pontuado por um humor inteligente, para um patamar superior.
Meirelles filma a vida difícil das favelas e mostra como a discriminação e a falta de oportunidades são castradoras dos sonhos dos pobres, nestes guetos onde as boas intenções pouco contam. Ele revolta-nos mostrando um sistema podre que se alimenta e alimenta a maldade intrínseca das pessoas.
“Cidade de Deus” é um óptimo momento de cinema mas é também um enfoque num problema que está longe de se resolver. É isso que evidenciam as últimas cena do filme, marcada por uma ironia triste. Os garotos da “caixa baixa”, um grupo de meninos nascido e criado num ambiente de guerra urbana, perdem o respeito pelo até aí todo-poderoso Zé Pequeno e afogam-no numa chuva de tiros à queima-roupa. Aparecem depois, com as pequenitas mãos esticadas para conseguir agarrar as armas que todos possuem, deambulando pelas ruas da favela e discutindo quais os próximos alvos a “passar” (a matar). A conversa acaba em qualquer coisa parecida com isto:
“- Parece que está chegando um cara novo na Cidade de Deus.
- Quem?
- Não sei?- Então a gente passa ele também.”

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Yes we can


Estes americanos são terríveis. Nos últimos tempos, têm chovido notícias sobre a corrida eleitoral na terra da Sala Oval. Mais recentemente, o grande tema tem sido não tanto a disputa entre direita (facilitemos chamando-lhes Democratas) e ainda mais direita (chamemos-lhe Republicanos) mas a querela entre Barack Obama e Hillary Clinton.
Para mim, o fundamental é que os Republicanos fiquem longe do poder e acredito que é isso que vai acontecer. McCain nem o seu partido convence e, caso a cobertura mediática que chega a Portugal seja representativa da americana, ele tem sido tão ofuscado pelo duelo dos telegénicos Obama e Clinton que calculo que a sua popularidade esteja a milhas da de qualquer um destes dois.
De qualquer forma, confesso que gosto cada vez mais de Obama. Primeiro porque acho Hillary dondoca, conservadora encapotada e com pouco estofo para o cargo. E depois porque Obama me parece uma lufada de ar fresquinho.
Bem sei que fosse eu americano e estaria na coutada eleitoral do senador do Illinois. Mas admito que o "Yes we can" me empolga e nem sequer tem nada a ver com a Scarlett Johansson. Entusiasma-me a ideia de deixar de ver na televisão as tomadas de posição do inenarrável presidente Bush (o que só por si será maravilhoso) para ver as de Barack Obama (o que poderá não ser mau de todo). Se tudo não passa duma operação de markerting, comigo resulta muito bem. Comecei esta campanha sem achar especial piada a ninguém e neste momento já só torço por Barack.
Esperemos pelo desfecho das eleições, conscientes de que até ao lavar dos cestos é vindima. Afinal, num país onde o candidato com mais votos perde as eleições, não é impossível que o próximo presidente acredite que todos os humanos são filhos de Adão e Eva.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Carnavalices

Uma das frases que mais tenho ouvido nos últimos dias é "Não ligo muito ao Carnaval". Outra é "Detesto o Carnaval". Afinal quem é que gosta do Entrudo?

O António. Há bocado liguei o MSN e vi, junto ao nickname dele, um entusiasta "É Carnaval!".

Um pormenor: o António nasceu no Rio de Janeiro.
Palavras para quê?