sexta-feira, 25 de julho de 2008

"Exercício irresponsável de publicidade invertida" - Joel Neto



À RC,
Que é tudo menos tacanha, mal vestida ou ignorante.

"Egoísta, vou assistindo com um misto de honra e desconfiança à consagração internacional dos Açores como um dos últimos paraísos do planeta. Os Açores são a minha terra, o meu lugar no mundo e a minha obsessão primeira – mas por outro lado há uma parte de mim que quer conservá-los exactamente como o eram em 1992, o ano em que fiz deles sobretudo um local de regresso.
Para ser honesto, não é sem um certo pânico que assisto ao magnetismo e à curiosidade que exercem sobre aqueles que se cruzam com os seus cheiros grosseiros, os seus sons rompantes, as suas imagens bravias – e depois decidem chamar-lhe simplesmente “belos”.
No outro dia, numa repartição pública de Lisboa, uma daquelas pós-balzaquianas que lêem a “Caras” e pressionam as teclas do computador com a ponta da unha tricolor, como se receosas de que em algum momento a máquina infernal pudesse escoicear de volta, recebeu aborrecida os meus impressos, mas rasgou um sorriso assim que verificou o local de nascimento inscrito no meu BI. Foi com alívio que a ouvi, após um longo solilóquio sobre a beleza das ilhas e a beleza das gentes e a beleza da cultura, argumentar uma novela da TVI como a sua grande e única fonte de informação.
Os meus Açores hão-de ser sempre belos e tacanhos ao mesmo tempo. As minhas gentes hão-de ser sempre belas e mal vestidas em simultâneo. As minhas raparigas hão-de ser sempre belas e ignorantes por junto. E que as pós-balzaquianas dos guichés de Lisboa possam reconhecer-lhes a beleza sob um tão claro manto de tacanhez, insofisticação e ignorância só pode ser sinal de que estamos a perder qualidades. Chamem-me snob, que tanto me faz: um snob é sempre originalmente um pelintra – e é isso mesmo que eu sou, um pelintra da Terra Chã, ilha Terceira, Açores."

Joel Neto

terça-feira, 22 de julho de 2008

(In)citar II

"(...)importa que acreditemos no poder energético do optimismo - a energia mais poderosa e menos poluente do universo".

Carlos Coelho, Gingko, Abril 2008

quarta-feira, 16 de julho de 2008

(In)citar I

(Já era para ter sido partilhado há mais tempo, mas aqui vai na mesma)

"E a fotografia do mil-folhas torna-o tão próximo que me apetece comê-la. Que querem?! O ser humano perde a cabeça quando avista aquilo que dá aos seus sentidos um destino. É por isso que, como ensinou um velho professor de Viena, a civilização é um instável edifício fundado sobre a repressão do instinto. Com as suas montras vigiadas de vidro, as pastelarias são disso um memorando melancólico e infalível”.

José Manuel dos Santos, Actual 24.05.08

sobre Fabrico Próprio – O Design de Pastelaria Semi-Industrial Portuguesa

( )

A vida de gente crescida é muito engraçada. Num dia estamos cheios de certezas, projectos com timings definidos e muita convicção na sua concretização. Estamos seguros de que queremos ir pela direita e só mais tarde pela esquerda. Sabemos que queremos assado, depois cozido. Mas não muito. Só naquele “ponto” que bem sabemos. Noutro dia, vem uma proposta daquelas fantásticas, irrecusáveis, xpto, maravilhosas. Só que vem no momento errado. Seria A proposta, O projecto, O acontecimento. Baralha tudo. A cadeia de prioridades fica às avessas e temos que tomar uma decisão. Por vezes, sem anestesia. Chegamos à conclusão de que a proposta vem cedo…ou tarde demais. E, de repente, (sinto que a minha vida está suspensa num grande parêntesis).

terça-feira, 15 de julho de 2008

O passado é inútil como um trapo

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!

Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor…,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.

Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

(Eugénio de Andrade)