
Há quem não saiba começar o dia sem a sua bica. Há quem goste de ir à Bica do Sapato para impressionar a companhia e sue em bica com a conta. E há a noite de todos nós na Bica.
Amarela e corrosiva. Como o elevador. Como a urina impregnada na calçada, nas escadas. Quente. A multidão de cabelos, casacos e copos aquece a rampa, fazendo ferver os carris que clamam por uso numa ebulição silenciosa mas urgente.
A vertigem da descida chama-nos. Passeiam-se as bijutarias, os vinis e os copos numa dança lenta e sensual. Um olhar electrizante na passagem. Perigoso. Anónimo. Viciante.
Sentamo-nos. Dizemos disparates. Rimos. Vivemos. O rio, ao fundo, refresca o ar quente que circula entre voyeurs, cantores, artistas. O ar que circula entre nós.
Que esse ar não nos falte. Que o amarelo seja sempre vivo, não caindo num branco sujo e desbotado. Que esses cabelos, casacos e copos se misturem com os nossos cabelos, casacos e copos até estes ficarem brancos, justos e foscos. Que sejamos os carris da nossa locomotiva, composta de tão diferentes carruagens. Que nunca nos falte força nas pernas para subir e descer. Que o nosso olhar seja sempre uma descoberta.
Obrigada por já serem o meu vício.
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