Estávamos de pé, eu e a assessora, meando uma conversa preguiçosa, quando o Presidente chegou. De imediato procurei nele a pose magistral, honrada e digna do grande retrato nos Paços do Concelho.
Não a encontrei. Mão na cintura escorregadia da assessora, o que faz aqui este bocado de tecido, todo eu sou à-vontade. A voz partia para agudos, talvez na esperança de se sintonizar com ela, tão feminina e jovem.
Chega mais gente e são palmadinhas nas costas, risos que soam a conluios e clientelismos. Ele é ex-Presidente mas recusa o prefixo: "Sou presidente em título". Mostra saudade dos seus tempos, das pessoas que já não são as suas. Lança palpites, atira provocações, ri-se de uns e com outros. Mais do que real, é banal. Um homem que faz rugas quando se ri, como os outros. Que chama "querida" a todas, sejam rabos de saia, poucos, ou rabos de calça, muitos. Para os homens tem trivialidades, simpatias umas vezes sentidas e outras vezes palermas. Faz tudo isto sem nunca tirar a mão da cintura deslizante da assessora. Corrijo: Faz tudo isto e liberta-a, os meus olhos é que ficam a guardá-la.
O retrato na parede branca dos Paços do Concelho não é tolo, nem simpático, nem diz que é presidente em título. É o Presidente. É pesado, sério, altivo. Falecido sem ser morto.
Não é, não pode ser, a mesma pessoa que ainda tem a mão na cintura perigosa da assessora.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Bom, sinuoso, visível. Claro e bem decorado. Realizável. Verdadeiramente um retrato.
Gostei tanto!
Enviar um comentário