sábado, 22 de agosto de 2009

Apartheid

Chegámos à porta do Lux e atendeu-nos (ia escrever “recebeu-nos”, mas não seria correcto) uma mulher nórdica, trinta e muitos, loura e bonita, dentro de um elegante vestido preto que contrastava harmoniosamente com a cor dos cabelos e da pele.

“Quantos são?”, perguntou numa língua parecida com português, enquanto nos olhava de alto a baixo. Um olhar poderoso, do alto do forte desnível estrategicamente criado para que ela e os dois gorilas lavadinhos que a ladeavam se mantivessem 20 ou 30 centímetros acima dos clientes.

A nossa resposta – “Sete.” – fê-la balbuciar qualquer coisa como “Têm o nome na guestlist?”

Depois, com um ar constristado: “Se não, têm de pagar consumo mínimo de 240 euros.”

Enquanto lhe atirava um “obrigado” e virava as costas, procurei uma razão.

Antes e depois de termos tentado entrar, enquanto esperávamos uns pelos outros, tive oportunidade de ver várias pessoas submeterem-se ao crivo da porteira (que deve preferir um nome pomposo qualquer, estilo “RP”) e cheguei a várias conclusões.

Não fomos “barrados” por sermos demasiados – entraram bandos maiores. Nem por sermos demasiados homens – éramos quatro para três e entraram grupos mais desequilibrados. A roupa também não pode ter sido o motivo – a t-shirt decente e as calças de ganga que a “média” do grupo vestia são semelhantes às que usei em outras ocasiões em que ali entrei e às que a maioria dos clientes usa.

Por muito que pense nisso, não consigo encontrar outra explicação menos terrível: dos sete, dois eram pretos e um indiano.

Não sou assim tão hipócrita: já elogiei a ausência de “chungaria” em certos sítios. Mas também já entrei no Lux e garanto que preferia ver aquilo cheio de pretos, amarelos e peles vermelhas, bem ou mal vestidos, do que saber que, todas a noites, neste e noutros sítios tão supostamente cosmopolitas várias pessoas passam pela humilhação de ser excluídos só porque sim.

Muita gente se admira quando certos barris de pólvora explodem, como se tem verificado, ano após ano, com a população dos bairros sociais franceses a revoltar-se contra a restante sociedade. A mim, confesso, não me surpreende mesmo nada. Basta não estar demasiado embriagado com as bebidas caras e a música disparada pelas colunas do Lux e vir até à porta sentir o silêncio gelado para se compreender como cresce o ódio.

Sei que estou a escrever a quente e reconheço uma dose de ingenuidade no meu raciocónio. Mas ontem, quando um dos dois turistas (italianos?), também “barrados”, baixou os calções para que a porteira nórdica pudesse apreciar um bom rabo latino, eu, que nem costumo achar grande piada a coisas dessas, ri-me à gargalhada e com sinceridade.

O perturbante é que não sei se também não achava graça se, na mesma noite, os turistas, à semelhança dos jovens dos bairros socais franceses, tivessem, por exemplo, incendiado o carro da nórdica giraça ou do patrão dela.