Se “Conversa na Catedral” não é o meu livro favorito, então não sei qual é. É tudo bom: o retrato social, a imprevisibilidade, o domínio ímpar da ordem narrativa. É daqueles romances que, por tão apaixonantes, criam a ambiguidade: queremos chegar ao desfecho a todo o custo, mas também desejamos que o livro nunca chegue ao fim.
A acção é contada através de uma sucessão de analepses e prolepses. No início do livro, Santiago Zavala, o protagonista, encontra-se com o velho motorista da família, a quem não via há anos. A longa conversa entre ambos, que conta, a espaços, com a participação de um colega de trabalho de Santiago, é o eixo estrutural à volta do qual a narrativa vai crescendo.
Os diálogos são intercalados com acção e com outros diálogos. Ao todo, Mario Vargas Llosa conta cerca de 30 anos numa sucessão de analepses e prolepses, através das quais vamos percebendo, peça a peça, o sentido da intriga. À medida que tenteamos o caminho à nossa frente, arriscando desenlaces, o autor faz-nos regressar ao passado para consolidar a compreensão da estória.
E o mais fantástico é que não nos perdemos. Mario Vargas Llosa é estupendamente criterioso na forma como nos vai negando ou cedendo elementos para a compreensão da acção. Nada a mais, nada a menos. Por vezes, cruza sentimentos similares em épocas distintas, num estímulo à identificação; outras, intercala a vida de personagens díspares, evidenciando o contraste.
O resultado é uma prosa cristalina e sem escolhos. E a sensação de que não há forma mais natural de escrever.
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4 comentários:
Que será esse cheiro, essa forma de agarrar a vida com mais força, mas de mãos mais soltas que tem a literatura latino-americana? Já tinha ouvido falar do livro. Já tinha ouvido falar do livro em palavras semelhantes às tuas. Fiquei curioso. Emprestas-me?
Abraço.
Claro que o meu pai to empresta.
Oh bolas, estava à espera de um comentário mais profundo... E vocês são imensos a escrever, não é justo!
Estou a ler o "Travessuras da Menina Má". Espero que seja tão bom como esse :)
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