quarta-feira, 26 de março de 2008

João Manuel Serra, 78 anos

Finalmente conheço o nome e a idade por trás do rosto que corporiza o olá nocturno na zona do Saldanha.

«Chamam-me o senhor do adeus, mas eu sou o senhor do olá». Começa assim a peça que a Única lançou este sábado.

No ano em que morei naquela zona, quase todas as minhas noites eram interpeladas por aquela presença quase fantasmagórica. Ali estava, a partir das 0:00 no separador central da avenida que intercepta o Saldanha.

Tudo isto é solidão?
«Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias de casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente».

Quando não o encontrava, não deixava de ficar preocupada. O que poderia ter acontecido? Teria o senhor de cabelo branco, casaco de tweed acastanhado, e óculos com armação de massa escura, faltado à sua missão? Ter-se-ia atrasado simplesmente? Teria mudado de localização? Ou desaparecido?

A presença do João, agora com nome, é inquietante. A não presença torna-se ainda mais incómoda.

«Sou preguiçoso para tudo, menos para dizer adeus a quem por aqui passa. A vida dá estranhas voltas, o meu destino é acenar a quem me cumprimenta. Estou sujeito a que me chamem maluco, mas não me importo. Da minha solidão, sei eu».

Os carros passavam. Buzinadela garantida. E ele lá dizia adeus, aliás, olá, fizesse frio ou chovesse. Pensava que caminhava para a loucura. Afinal, fugia da solidão.

Iria acenar para Marte?
«Se lá houvesse carros, pessoas com quem comunicar e essa senhora malvada, que dá pela graça de solidão».

João, agasalha-te. Esta noite faz frio.

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